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terça-feira, 5 de maio de 2015

O DIREITO CANÔNICO E O BOM SENSO



Pe. Robert McKenna, O.P.
Setembro 1980




As pessoas, sejam clérigos ou leigos intelectuais, que hoje acusam aos católicos tradicionais de desobediência e de violar as leis da Igreja são como os advogados e os fariseus do Evangelho. Lemos que eles estavam "vigiando" a Cristo para ver se Ele quebraria a lei e curaria o doente em dia de sábado. Para testá-los, Cristo os questiona se seria lícito curar em dia de sábado, mantiveram-se eles então, em um silêncio sepulcral, preparados para condenar-lhe se ele se atrevesse a fazer-lo. 
Nosso Senhor continuou então a realizar a cura milagrosa do homem com hidropisia e depois forçou os Seus inimigos a permanecer em silêncio, mostrando-lhes que eram verdadeiros hipócritas: "Qual de vós terá um burro ou um boi cair num poço, e não vai retirá-lo imediatamente, no dia do sábado?" (Cf. São Lucas XIII, 15)

A lei de Deus, "no terceiro Mandamento", proíbe o trabalho no Dia do Senhor. Mas Cristo fez milagres no Dia do Senhor, assim como nos outros dias. Ele, portanto, era culpado de violar a lei. Este foi o raciocínio dos escribas, fariseus e os advogados, e lembrem-se que eles estavam entre os líderes reconhecidos da Igreja ou instituição religiosa daqueles dias. Então, pelo raciocínio deles, o Filho de Deus era culpado de desobediência diante Deus!

Um total absurdo, não é mesmo? E assim, hoje quase igualmente absurda, se não for igualmente hipócrita, são os prelados, sacerdotes e leigos do estabelecimento entrincheirado que hipocritamente apontam o dedo acusador de desobediência  para nós, os sacerdotes tradicionais.

Qual é então, o "empecilho"? Onde está a falha no raciocínio dos inimigos de Cristo e de seus homólogos de hoje?  É a velha e repetida falácia de não fazer distinções.  No caso em questão, é preciso distinguir entre as palavras da Lei e a finalidade da Lei, ou, se quiserem, entre a "letra" da Lei e o "espírito da Lei", o espírito sendo a mente ou a intenção do legislador.

As leis são feitas para o bem comum. Esta é a sua finalidade e seu propósito. Mas, por serem gerais, as leis por sua natureza não podem prever todas as circunstâncias e acontecimentos possíveis, e às vezes acontece (raramente, mas, no entanto, às vezes) observar e obedecer à letra fria da lei é ir contra o propósito da lei. (Isto é mais frequente  ocorrer e acontecer no caso das leis humanas do que no caso da lei divina.)

Santo Tomás de Aquino, explica esse problema, citando o exemplo de um homem pedindo a seu amigo para que lhe devolvesse a arma que tinha deixado com ele para que guardasse.  A justiça e a lei natural exigem que tudo o que pertence a alguém deve estar em posse de seu proprietário. 
Esta lei existe para o bem comum da sociedade, e se ela não existisse e todos pudessem ter a propriedade de todos, consequentemente, não haveria tal coisa como propriedade.

Mas suponhamos que, diz São Tomás, o homem vem e pede a sua arma em um acesso de raiva, obviamente, com a intenção de matar alguém. Será a pessoa ainda obrigada pela lei? Bem, certamente que sob estas circunstâncias, não!  Na verdade, se neste caso a letra da
lei fosse obedecida e o homem mata sua esposa ou vizinho, o seu amigo que lhe entregou a arma seria cúmplice do crime. O bom senso diz-nos que a lei em questão não deve ser aplicada em tal situação, e que neste caso cumprir a lei seria contra o propósito da mesma, ou seja seria contra o bem comum da sociedade.

Em linguagem teológica isso é chamado epeikeia, mais conhecido como uma palavra grega "equidade" em Português. Isso equivale a não observar a letra de uma lei quando obviamente seria violar o espírito da lei. E note cuidadosamente que dizemos: obviamente, para que ninguém tenha a pretensão de interpretar as leis para atender a si mesmo. A menos que o bom senso nos diga que uma lei não se obriga em um caso particular, então estamos ainda obrigados a ela.

Assim eram os judeus, que seguiam cegamente a letra da lei da guarda do Shabat a ponto de interpretarem que ela proibiria também que se curasse uma pessoa doente. Foi mesmo uma clara demonstração de excesso no cumprimento da letra Lei , no mínimo foi um pecado contra o bom senso. No entanto, estas eram as razões pelas quais eles continuadamente buscavam condenar a Cristo, e por meio delas conseguiram matá-lo. Ele quebrou a letra da Lei, ainda sendo Ele o autor dela.

E assim hoje ocorre o mesmo conosco perante o restante da Igreja.  Nós somos confrontados com a necessidade, com a clara necessidade manifesta do bom senso de romper a letra da lei eclesiástica (Direito Canônico), a fim de preservar, se quiserem, o próprio Direito Canônico e o bem comum da mesma Igreja Católica. O que nunca pensaríamos em fazer em circunstâncias normais: erigindo capelas, ouvindo confissões, realizando casamentos, sem a autorização e jurisdição habitual, quanto a isso não precisamos ter escrúpulos de faze-lo nas circunstâncias mais extraordinárias e atenuantes de hoje.

E quais são essas circunstâncias? As circunstâncias sem precedentes de que o inimigo por dentro tem tomado o controle da Igreja e trabalha incessantemente para destruir o seu culto e as suas tradições. 
Se fosse a intenção da Santa Madre Igreja com formular o Código de Direito Canônico para obrigar os seus sacerdotes e fiéis a cada uma das prescrições, mesmo em tais circunstâncias como estas, então a lei da Igreja se tornaria o seu pior inimigo.  Não seríamos capazes de ter capelas e missas públicas e a administração dos Sacramentos, teríamos que só observar a Igreja Católica sendo destruída. 
Por este motivo, não estamos sujeitos a todas as prescrições específicas do Direito Canônico de hoje. 
Todos os verdadeiros sacerdotes e leigos católicos têm o dever solene diante de Deus de preservar a nossa fé e liturgia intocada, não apenas de modo pessoal e reservado, mas publicamente e de forma organizada. Tal é que a verdadeira Igreja de Deus é, por sua própria natureza, uma sociedade visível, organizada, e o restante Católica deve se esforçar para mantê-lo assim.

Suponhamos que daqui a algum tempo, não haja mais bispos? Consideremos que todos tivessem sido dizimados de repente e a Igreja ficasse sem hierarquia? Será que seriamente devemos pensar que em um evento como esse, sacerdotes tradicionais teriam que parar o seu trabalho ou ser impedidos de expandi-lo, simplesmente porque não houver nenhum bispo para autorizá-los legalmente? Ridículo! 
Bem, se a hierarquia não foi dizimada fisicamente, ao considerarmos os efeitos práticos concluímos que já está dizimada espiritualmente. Praticamente todos os bispos que não são definitivamente hereges são, pelo menos, graves suspeitos de heresia, por causa dos sacrílegos atrozes estando tolerados nas suas dioceses. Como conseqüência, eles têm perdido a sua jurisdição ou possuem uma jurisdição muito duvidosa, o próprio Direito Canônico fornece expressamente  jurisdição para os sacerdotes em tais casos.

Notemos também, nesta questão de obedecer a lei da Igreja, que a nossa aparente violação de algumas leis particulares se faz necessária para que possamos continuar a observar o Direito Canônico integramente, enquanto que os inimigos dentro da Igreja, por sua vez, fraudulentamente se valem desta mesma lei para destruí-la por completo.  O chamado novo Código do Direito Canônico vem sendo preparado já há vários anos, desde o Segundo Concílio Vaticano e, podem ter a certeza, que quando terminarem de prepara-lo, as leis que estarão neste código serão feitas para a " Nova Igreja".

Nosso Senhor, ao defender o espírito dos mandamentos de Deus contra uma "letra" mal interpretada da lei, dizia-lhes aos escribas e fariseus: "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado".  Para a nova geração de escribas e fariseus que colocam o Direito Canônico contra nós hoje, dizemos: "A Igreja não foi feita para o Direito Canônico, senão o Direito Canônico para a Igreja."

traduzido do Angelus

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