Por Patrick Odou
Original retirado de: http://www.traditioninaction.org/HotTopics/f082_Mattei-1.htm
Na cidade de Cracóvia, Polônia, no dia 9 de
março de 2013, o professor Roberto de Mattei discursou sobre o Vaticano II. A fala
foi feita em inglês e traduzida ao polonês por um intérprete. O texto completo
da fala – partes da qual transcreverei neste artigo – pode ser lido aqui,
e o vídeo de 1h26min aqui
[1]. A fala foi proferida como parte de uma campanha que promove seu livro O Concílio Vaticano II – Uma história nunca
escrita.
Permita-me, primeiramente, ressaltar que
Roberto de Mattei e seu livro estiveram envoltos em grande prestígio pelas
autoridades do Vaticano. Walter Brandmuller, presidente emérito do Pontifício
Comitê das Ciências Históricas, se refere à “genialidade do Prof. de Mattei” e
seu livro como “uma obra que é tão erudita quanto relevante”, e “graças ao seu
rigoroso método histórico-crítico, convencerá uma vasta gama de leitores”.
Para além de sua grandiloqüente ovação, é
digno de nota mencionar que Bento XVI ficou muito lisonjeado com Mattei ele
mesmo, de modo a investi-lo como Cavaleiro de São Gregório Magno – uma ordem
pontifícia de cavalaria – como recompensa por “serviços prestados à Igreja”,
tais não especificados.
É também não menos importante perceber que
admiradores de Mattei incluem Dom Bernard Fellay e a editora da FSSPX, Angelus Press. Ambos promovem e citam-no
como um exemplo de alguém que possui objeções ao Vaticano II e, todavia,
persevera em aceitá-lo. Mattei aparenta ser, dessa feita, de muito proveito à
FSSPX em seu diálogo com a hierarquia Conciliar.
I. Concílio Real, Concílio
Virtual
Tendo visto o crédito de que goza Mattei no
hodierno e progressista Vaticano, e também na comprometida direita religiosa,
permita-me examinar alguns pontos de seu discurso.
Nos parágrafos que se seguem, ele
desenvolve seu pensamento, o qual, está convencido, coincide com o do Papa
Ratzinger:
Bento
XVI, em seu último pronunciamento que concedeu ao clero de Roma no dia 14 de
fevereiro [de 2013], identificou as origens da crise religiosa de nosso tempo
dentro do Concílio Virtual que, disse ele, se sobrepôs ao Vaticano II. Este
Concílio da mídia, segundo Bento XVI, foi quase um Concílio à parte, e o mundo
apreendeu o Concílio através da mídia. Destarte, o Concílio que chegou às
pessoas com efeito imediato foi aquele da mídia, não dos Padres, diz o Papa. E,
de acordo com Bento XVI, portanto, o Concílio Virtual foi aquele dominante, o
mais efetivo, e o que criou tantos desastres, tantos problemas, tanto
sofrimento, seminários fechados, conventos fechados, banalização da liturgia.
Porém,
na era da comunicação social, onde a verdade é tudo aquilo quanto comunicado,
esse Concílio Virtual foi, entretanto, não menos real que o que tomou lugar
dentro da Basílica de São Pedro. E ademais em razão de que o Vaticano II
intencionou ser um Concílio pastoral, o qual delegou sua mensagem a novos
instrumentos de expressão.
Hoje,
mais que nunca, a mídia de massas é apta a não só representar a realidade senão
que também determiná-la, graças a sua força e poder de persuasão. Bento XVI freqüentemente
discursou sobre isso, enfatizando a capacidade da mídia em manipular.”
Então, de acordo com Mattei, teríamos dois
concílios: um Vaticano II bom, o dos Padres ou o Concílio Real, e um ruim, o
Concílio da mídia ou Concílio Virtual, o qual deve ser culpado por praticamente
toda a crise e excessos que sobrevieram após o Vaticano II. O Concílio Real,
que tencionou ser “pastoral”, teve sua mensagem falsificada por um bando de dissimulados
e maliciosos jornalistas que levaram o mundo inteiro a crer num equivocado
entendimento e implemento do Vaticano II.
O que Mattei afirma, no entanto, compreende
menos do que sugere. O que ele firmemente implica é que nós devemos aceitar o
Vaticano II tal como concebido pelos Padres e reinterpretá-lo, purificando-o do
péssimo foco que o asseverou a mídia.
Esses enunciados e sugestões são, de todo
jeito, fundamentalmente sem escopo. Qualquer um que tenha o mínimo de
conhecimento histórico está ciente que foram os Papas que perpetraram a “Revolução
Conciliar”, como o Cardeal Suenens e Cardeal Congar objetivamente cunharam [2].
A propósito, nenhum desses dois cardeais pertenceu à mídia; o primeiro foi um
dos Moderadores do Concílio, o segundo foi um de seus mais importantes periti. Uma pequena lista contendo o que
cada Papa fez segue:
- João XXIII
Os conventos começaram a ser esvaziados
quando João XXIII lançou mão de seu aggiornamento
– processo de adaptação da Igreja ao mundo moderno. Tão logo essa adaptação
chegou aos ouvidos de religiosos, homens e mulheres, muitos deles abandonaram
seus hábitos, largaram seus monastérios e conventos, e foram viver em
apartamentos nas redondezas divididos em grupos de três ou quatro.
Este aggiornamento
foi, e ainda é, a causa de os seminários e casas religiosas estarem vazios
e fechados. Qual foi a influência da mídia nesta decisão de João XXIII? Eu
acredito que zero. Evidentemente a mídia noticiou as mudanças, mas foi tudo o
que fez. A principal causa era uma ação deliberada do Papa.
Seguindo o mesmo rumo, os programas de
formação dos seminários mudaram. O período normalmente empregado na espiritualidade
desde então passou a ser convertido no estudo de Freud, Jung e outros expoentes
da psiquiatria moderna. O período de tempo usado no aprendizado da teologia e
da filosofia foi substituído em parte pela leitura de Karl Rahner e Urs von Balthasar,
parte com treinamentos de “ativismo social” – agitação de massas, combate de
classes, como fundar pequenas organizações em função de minar a estabilidade
governamental, todo um programa de subversão com matizes claramente comunistas.
Pouco depois, o homossexualismo se arraigaria como uma praga nos seminários ao
redor do mundo. Não é de surpreender que uma verdadeira vocação sacerdotal não
se sentiria confortável sob este novo prisma.
Qual foi o papel da mídia nesse fenômeno?
Novamente, reportou muito acerca disso; não o produziu. Isto foi causado por
uma orientação acirrada de Roma sob João XXIII e os papas conciliares subseqüentes.
E o que dizer sobre a alteração na Missa e
na liturgia? É sabido que foi Pio XII quem deu início às modificações litúrgicas
em 1955. Em 1962, durante a primeira sessão do Concílio, Cardeal Suenens – sob
ordem direta de João XXIII [3] – propôs que todo o esquema previsto ao
andamento do Concílio fosse deixado de lado; apenas dois esquemas saíram ilesos
do aborto – um dos quais era o da reforma litúrgica, meticulosamente delineado
por Mons. Bugnini. Este homem – debaixo da orientação de Pio XII, João XXIII e Paulo
VI – foi o arquiteto de toda a reforma litúrgica. As mudanças começaram a
ganhar força mesmo antes que a edição do documento Sacrossanctum Concilium (SC) fosse aprovada em 1963.
Já em 1962 a liturgia estava experimentando
os “novos sopros” batendo desde Roma, sopros que se transformaram em vendaval em
1963-1964, após a promulgação da SC:
- Os altares não mais eram direcionados a Deus, mas ao povo;
- Trilhos para comunhão, púlpitos e confessionários foram removidos;
- Imagens foram relegadas aos subsolos e eventualmente vendidas como velharia;
- Sinos e incensos foram banidos;
- Música moderna e pop introduzidas nas igrejas.
É irrisório atribuir esta revolução inteira
ao poder midiático. Tanto mais se considerarmos que esta revolução foi ativada
nas primeiras duas sessões de um Concílio que apenas começara, situação tal que
a mídia mesma estava tão surpresa quanto qualquer um em relação à nova orientação
endereçada à Igreja Católica. Eu postergo minha primeira conclusão: Mattei está
protegendo o Concílio contra os que o consideram contrário ao Magistério da
Igreja, os que não o aceitam e exigem sua cassação.
Eu planejo dar
continuidade a este panorama geral que aborda o que foi feito sob os auspícios
dos seis Papas conciliares – de João XXIII a Francisco – em virtude de
fundamentar meu ponto: não há a mínima possibilidade, para qualquer analista
sério, seja teólogo ou historiador, de creditar a Revolução Conciliar à mídia...
Continua...
____________________
[1]
Introdução em polonês, fala de Mattei e Questões e Respostas.
[2] Atila
Sinke Guimaraes, Animus Delendi I, cap. I, nota 14.
[3] Atila Sinke Guimarães, In The Murky Waters of
Vatican II, cap. VI.
§ 78.
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