Uma Igreja no Exílio: A Boca do Leão.
Hoje, no trigésimo aniversário da ascenção de Dom Carlos Alberto Etchandy Gimeno Navarro à Sé de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, iniciamos uma série de artigos sobre os eventos ocorridos nessa diocese do Norte Fluminense envolvendo o novo bispo e os “Padres tradicionalistas de Campos”, encabeçados pelo bispo emérito, Dom Antônio de Castro Mayer.
* * *
Ao fundo, o então Núncio Apostólico, Dom Carlos Furno; à frente (à esquerda na foto), Dom Carlos Navarro.
Carlos Alberto Etchandy Gimeno Navarro se tornou o novo bispo de Campos em 15 de novembro de 1981. Ele servira por muitos anos como bispo auxiliar do Cardeal Eugênio de Araujo Sales, do Rio de Janeiro, que não era amigo da tradição. Restam poucas dúvidas de que Dom Navarro recebeu uma missão junto com sua nomeação. Esta missão foi projetada como parte de um estratagema Roma-Rio para libertar o Brasil (e o mundo naquele momento) de uma vez por todas da última diocese onde a Fé Católica tradicional sobrevivia com toda sua “velha Igreja”, formas e idéias pré-conciliares. Aquela “antiga Fé com seus velhos modos” manteve sua influência na sé episcopal da diocese, em todas as suas cidades e em todas as capelinhas que salpicavam a zona rural. A diocese de Campos permaneceu como uma viva, pulsante e brilhante reprovação à nova Igreja. Quase todas as paróquias por toda a diocese haviam conservado a Missa Tridentina por quase doze anos, enquanto o resto do Brasil, o resto da América Latina e o resto do mundo adotavam a nova forma litúrgica e, no curso daqueles mesmos doze anos, passavam muito além daquela nova forma de Missa para um mundinho católico de missas onde todo padre modernista poderia adotar sua própria forma de liturgia.
[...]
Aos olhos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e, agora, também aos olhos de Roma, essa situação havia se tornado insustentável e não podia mais ser tolerada. As células cancerígenas atacam as células saudáveis, e não vice-versa. A principal fonte de saúde no organismo de Campos sempre fora Dom Antônio de Castro Mayer. Agora ele estava sendo removido. A suposição do acordo Rio-Roma era que, sem o seu bispo à frente, os fiéis da diocese rapidamente sucumbiriam aos modos da nova Igreja. Os bispos do Brasil e a hierarquia em Roma pareciam não ter idéia do efeito que um bom bispo-mestre católico poderia causar ao longo de trinta e três anos [de episcopado em Campos]. Não entendiam que os fiéis estavam imunizados.
Dom Navarro era um estudante no seminário do Rio na época das mudanças [do pós-Concílio]. Toda a sua formação e orientação católica ocorreu em um clima de mudança e, bom militar que era, ele simplesmente seguia ordens. Quando se tornou bispo de Campos, esperava que os outros fizessem o mesmo. Ele insistia nisso. [...]
À esquerda, o então Padre Navarro acompanhado pelo sambista Almir Saint Clair (centro) e pelo Padre José Alves (direita). O sambista foi convidado a gravar músicas religiosas pelo então Padre Navarro.
Dom Navarro expressou decepção imediatamente após sua chegada. Tão logo se mudou para a residência episcopal, afirmou ter encontrado a casa “vazia, com uma geladeira velha, uns poucos móveis quebrados” e “apenas” quinhentos cruzeiros nos cofres diocesanos. Começaram a circular rumores na imprensa local de que o novo bispo foi insultado, que Dom Antônio desaparecera com suas riquezas e deixara apenas as paredes descobertas como suas boas-vindas ao seu sucessor. A simples realidade era que o antigo bispo, como sabia qualquer um que já havia passado algum tempo próximo a ele, vivia uma vida de grande simplicidade e genuína pobreza. Nunca houve quaisquer tesouros na mansão episcopal, e os poucos itens que foram removidos, livros, escrivaninha, cama, artefatos religiosos, eram pertences pessoais com valor tanto prático, intelectual ou sentimental. Os rumores continuaram a circular e, finalmente, foram abertamente confirmados pelo novo bispo em uma carta dirigida ao maior jornal do Rio, O Globo. Nela, Dom Navarro vociferava seu ressentimento com o que encontrara em sua nova residência e insinuava uma tentativa deliberada de humilhá-lo em sua chegada por parte de Dom Antônio.
Dom Navarro, desde o início, obviamente, sentiu-se vítima de ataques e humilhações. Dom Antonio de Castro Mayer encontrou o novo bispo e passou sua autoridade fora da Basílica do Santíssimo Salvador, às margens do Paraíba, em Campos. Com os ataques pessoais já dirigidos a ele em público e tendo conhecimento de que a primeira Missa a ser celebrada por Dom Navarro seria [com] o Novus Ordo Missae, o bispo que estava se aposentando preferiu ter uma cerimônia ao ar livre. Dom Navarro se sentiu ofendido e talvez seus comentários públicos sobre a residência episcopal tenham sido uma forma de retaliação por aquilo que viu como uma degradação pública. Um grupo de fiéis da TFP atrapalhou a primeira Missa na Basílica. De modo algum irromperam durante a cerimônia, mas passavam folhetos fora da Basílica, anunciavam sua antipatia pela nova Missa com megafones e tentavam desencorajar as pessoas a adentrar a Basílica para assistir a Missa. Novamente ele deve ter se chateado com tais demonstrações públicas de desobediência direta. Suas palavras não estavam simplesmente sendo ignoradas por muitos dos fiéis, mas, desde o início, desafiadas ao ar livre e com grande alarde. As piores humilhações seguramente ocorreram em suas primeiras viagens pela diocese onde, cidade após cidade, em paróquias ou capelas rurais, os fiéis o recebiam educadamente e o ouviam delicadamente, mas quando ele se preparava para celebrar a nova Missa, saíam em bloco e o deixavam diante de uma igreja praticamente deserta. Segundo a opinião geral, ele ficava furioso.
“Pai, perdoa-lhes!”.
A Versão de Dom Navarro
Por Dom Carlos Alberto Navarro, 10 de julho de 1988
Duas tendências destroem a Igreja, após o Concílio Vaticano II: o “progressismo” e o “conservadorismo”. Quem fez tal afirmação, recentemente, foi o Papa João Paulo II. Tratemos, agora, apenas da segunda corrente.
Dois meses e meio após minha tomada de posse em Campos, e depois de ter visitado todas as paróquias, reuni todos os sacerdotes, e disse aos autodenominados “tradicionalistas”: “Padres, eu acabo de chegar a esta Diocese! Não tive nem tempo de ofender a vocês! Por que é que eu fui tão mal recebido assim, e maltratado, ao percorrer as Matrizes?”.
(E quem não se recorda, aliás, daqueles escândalos que foram manchetes nacionais: pancadaria dentro das igrejas, gritos, faixas, saídas precipitadas, ameaças de morte e de derramamento de sangue, etc… etc…?)
Um desses padres respondeu muito espontaneamente e, talvez, entendendo a injustiça que tinham praticado:
“Não, Senhor Bispo. Aquelas manifestações não foram contra o Sr., enquanto pessoa particular. Qualquer novo bispo que viesse para cá, a fim de fazer cumprir o Concílio Vaticano II, seria recebido dessa maneira!”
E, agora, eu pergunto: Por acaso eles esperavam um bispo que viesse negar, combater e destruir o Concílio, que é um novo pentecostes com que Deus enriqueceu Sua Igreja, no Século XX?
Hoje, sou eu quem se surpreende com a perturbação e o espanto de certas pessoas de nossa comunidade, ao verem até que ponto chegou o orgulho e a desobediência dos “tradicionalistas”. Por acaso – eu me pergunto – não se sobressaltaram, quando, desde a primeira semana, eu, sendo o novo bispo indicado pelo Sucessor de Pedro e pelo Espírito Santo, fui injuriado, afrontado, desprezado, reprovado, condenado, ultrajado, vilipendiado? Quem ficou cego até agora nunca mais vai enxergar!
Basta relembrar a minha tomada de posse, em frente à Catedral! O ato não foi durante a Missa, pois esta era refutada, ao menos, como suspeita de heresia! Mocinhas e senhoras idosas alfinetavam as pessoas do sexo feminino que desejavam entrar no templo, quando eram julgadas como “indecentemente” vestidas. Os padres tradicionalistas teatralizaram uma “Promessa de Obediência”, com genuflexões e beijos no anel do novo bispo, mas, jamais obedeceram ao pastor, em nada.
E, agora, continuam os despropósitos. Advertem que não aceitam a punição. (Como se ela dependesse da aceitação ou não deles!) Propalam que a excomunhão é inválida (Eles têm mais poder que o Papa!); que é falsa a argumentação da Igreja (Só eles têm a verdade.) Comparam o Santo Padre a Nero e a Pilatos. (Sem comentário!). Asseveram que Dom Léfèbvre negou a autoridade do Papa, “mas não tinha a finalidade de negar” (Entenda-se!); procuram alguém que possa lançar a pena de excomunhão sobre o Papa (Enlouqueceram?); asseguram que não estão atemorizados e que nada se alterou no campo deles (É pena, pois, assim, estão longe da conversão!); João Paulo II é acusado de ser escandaloso, de passear pelo mundo e participar de ritos satânicos (Jesus também foi chamado de beberrão e de satanás por Seus inimigos). Paremos por aqui…
O Documento da Santa Sé, do qual constam as excomunhões, previne: aqueles que continuarem seguindo o bispo rebelde correm o risco de ser excomungados.
Realmente, não há nada a festejar, com alegria, numa morte, numa separação ou divórcio! Nem também, nunca, na Igreja, alguém celebrou uma excomunhão.
Só Jesus, na Cruz, entendeu perfeitamente o mistério do pecado, por isso, cheio de misericórdia, exclamou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!” (Lc. 23,34). Como Maria, seja esta também nossa oração!
O choro amargo de Dom Antônio pelo seminário.
om Navarro começou sua atividade pastoral demitindo o chanceler da diocese e vigário da catedral do Santíssimo Salvador de Campos, Monsenhor Henrique Conrado Fischer, um amigo de Dom Antonio que por anos fora encarregado da supervisão dos assuntos diocesanos. Pouco depois, começou a acusar os padres da diocese de irregularidades econômicas. Ele sugeriu abertamente que muitos deles desviaram fundos para uso pessoal, venderam terras que não lhes pertenciam, auferiram ganhos pessoais com as vendas e encorajavam um boicote econômico ao novo bispo e à diocese. Essas acusações começaram a aparecer em revistas nacionais e circularam por todo o Brasil. Elas pararam abruptamente quando os padres da diocese deram a conhecer em uma “notinha” pública que, se o novo bispo continuasse a fazer tais acusações, poderia esperar ser desafiado a prová-las em juízo. Nada mais foi dito publicamente sobre esses assuntos, mas, é claro, os rumores continuaram a circular.
[...]
Uma forma de descontinuar a Missa Tridentina desde a fonte se tornou óbvia – parar de formar padres que celebram a Missa. Em uma visita ao seminário menor em Varre-Sai, em um período de férias, enquanto ninguém estava no seminário há várias semanas, Dom Navarro se declarou chocado com o estado do velho prédio. Por muitos anos, aquele fora o seminário maior da diocese, antes de se tornar o seminário menor, quando Dom Antonio, em uma medida de precaução por ocasião de uma tentativa de dividir a diocese e tomar controle do seminário, transferiu o seminário maior para a cidade de Campos. Dom Navarro agora declarava que o velho prédio era “pior que Auschwitz”. Ele o fechou sumariamente. Os jovens seminaristas que esperavam retornar ao curso para continuar seus estudos em preparação ao sacerdócio – português, francês, latim, grego, história geral, história eclesiástica, matemática, geografia, religião, canto gregoriano e filosofia – descobriram, de repente, que estudavam em um dilapidado, velho prédio que era “pior que Auschwitz”. Absolutamente, eles se viram, de fato, tendo de estudar para o sacerdócio.
O passo seguinte veio sem surpresas. O novo bispo anunciou sua intenção de fechar o seminário maior em Campos. Quando Dom Antonio entregou seu molho de chaves do seminário a um representante do novo bispo, chorou abertamente, talvez a primeira vez que chorava em público desde a carta chegada de Roma anunciando a instituição do novus ordo missae.
O júbilo cheio de rancor de Dom Navarro. “Excomungados!”.
Deus manifestou o poder de Seu braço!
Por Dom Carlos Alberto Navarro, 17 de julho de 1988.
“Depois que o Sr. tomou posse, e diante da grande confusão que os tradicionalistas criaram, eu concluí, com toda a segurança: Dom Carlos não vai agüentar nem conseguir enfrentar esta situação!”
Alguém me disse a frase acima, pouco depois de eu ter chegado a Campos… E, graças a Deus, já se passaram quase sete anos!…
Após o primeiro impacto da excomunhão e do cisma de Ecône, tenho procurado refletir mais profundamente sobre a ação de Deus, em nossos dias.
A excomunhão de Dom Léfèbvre veio restabelecer a “verdade” e a “justiça” na questão “tradicionalista”, em Campos e em todo o mundo.
Apesar de eu não guardar rancor, devo reconhecer que o desrespeito com que fui tratado (por padres, falsas religiosas e leigos tradicionalistas) foi muito grande. Passeatas, procissões, artigos injuriosos, trotes, tentativas de apropriação indébita de bens eclesiásticos, inúmeros processos jurídicos, freqüentes comparecimentos do bispo à justiça civil.
Mentiras deslavadas: “O Papa está conosco!” “O Papa nos apóia!” “Estamos com o Papa!” “Dom Navarro é que é o lobo!” (Hoje nós podemos ver como é que o Papa está com eles, e eles com o Papa! E quem são os lobos que matam as ovelhas incautas!)
Talvez, mais tarde, seja o caso de outras pessoas não tradicionalistas pensarem um pouco se também não foram culpadas pela situação a que se chegou.
No momento, olhando para trás, desde 1981, e sendo surpreendido pela excomunhão, lembrei-me do cântico de Maria: o “Magnificat”. Eu também agradeço a Deus por ter usado de misericórdia para comigo e por poder ver, sem nenhuma sombra de dúvida, que “Deus manifestou o poder de seu braço” (Lc. 1,51).
Com efeito, em toda esta questão de mentiras, ofensas e desobediências, aqui em Campos e no mundo, Deus desconcertou os corações dos soberbos, derrubou os poderosos e exaltou os pequeninos.
Excomungados! Conheceram, agora? Agora se sabe que quem poluía a água pura da corrente era o lobo e não a ovelha. E nem adiantou ao lobo se vestir com pele de ovelha. Ele, afinal, foi descoberto e ataca diretamente Roma.
Gostam eles de ser chamados de “santos” e “sábios”. Não são nem uma coisa, nem outra. Desobedientes, isto sim, e orgulhosos, a ponto de quererem enfrentar o Papa, Supremo Chefe da Igreja, Aquele que está no lugar de Jesus, Vigário de Cristo.
Há coisas que só saberemos na vida eterna. Deus, porém, em Sua bondade, quis mostrar antecipadamente de que lado estava a verdade; com quem estava Sua bênção e com quem não. Deus estendeu a mão lá do céu e nos salvou.
Perdôo aos que me ofenderam. Oro a Deus por eles. Aos excomungados e aos que, indo por péssimo caminho, os seguem junto com esta correção, convido a voltarem, enquanto é tempo para a Casa do Pai.
The Mouth of the Lion: Bishop Antonio de Castro Mayer and the last Catholic Diocese. Dr. David Allen White, Angelus Press, 1993 – pág. 121-123 | Tradução: Fratres in Unum.com
Hoje, no trigésimo aniversário da ascenção de Dom Carlos Alberto Etchandy Gimeno Navarro à Sé de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, iniciamos uma série de artigos sobre os eventos ocorridos nessa diocese do Norte Fluminense envolvendo o novo bispo e os “Padres tradicionalistas de Campos”, encabeçados pelo bispo emérito, Dom Antônio de Castro Mayer.
* * *
Ao fundo, o então Núncio Apostólico, Dom Carlos Furno; à frente (à esquerda na foto), Dom Carlos Navarro.
Carlos Alberto Etchandy Gimeno Navarro se tornou o novo bispo de Campos em 15 de novembro de 1981. Ele servira por muitos anos como bispo auxiliar do Cardeal Eugênio de Araujo Sales, do Rio de Janeiro, que não era amigo da tradição. Restam poucas dúvidas de que Dom Navarro recebeu uma missão junto com sua nomeação. Esta missão foi projetada como parte de um estratagema Roma-Rio para libertar o Brasil (e o mundo naquele momento) de uma vez por todas da última diocese onde a Fé Católica tradicional sobrevivia com toda sua “velha Igreja”, formas e idéias pré-conciliares. Aquela “antiga Fé com seus velhos modos” manteve sua influência na sé episcopal da diocese, em todas as suas cidades e em todas as capelinhas que salpicavam a zona rural. A diocese de Campos permaneceu como uma viva, pulsante e brilhante reprovação à nova Igreja. Quase todas as paróquias por toda a diocese haviam conservado a Missa Tridentina por quase doze anos, enquanto o resto do Brasil, o resto da América Latina e o resto do mundo adotavam a nova forma litúrgica e, no curso daqueles mesmos doze anos, passavam muito além daquela nova forma de Missa para um mundinho católico de missas onde todo padre modernista poderia adotar sua própria forma de liturgia.
[...]
Aos olhos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e, agora, também aos olhos de Roma, essa situação havia se tornado insustentável e não podia mais ser tolerada. As células cancerígenas atacam as células saudáveis, e não vice-versa. A principal fonte de saúde no organismo de Campos sempre fora Dom Antônio de Castro Mayer. Agora ele estava sendo removido. A suposição do acordo Rio-Roma era que, sem o seu bispo à frente, os fiéis da diocese rapidamente sucumbiriam aos modos da nova Igreja. Os bispos do Brasil e a hierarquia em Roma pareciam não ter idéia do efeito que um bom bispo-mestre católico poderia causar ao longo de trinta e três anos [de episcopado em Campos]. Não entendiam que os fiéis estavam imunizados.
Dom Navarro era um estudante no seminário do Rio na época das mudanças [do pós-Concílio]. Toda a sua formação e orientação católica ocorreu em um clima de mudança e, bom militar que era, ele simplesmente seguia ordens. Quando se tornou bispo de Campos, esperava que os outros fizessem o mesmo. Ele insistia nisso. [...]
À esquerda, o então Padre Navarro acompanhado pelo sambista Almir Saint Clair (centro) e pelo Padre José Alves (direita). O sambista foi convidado a gravar músicas religiosas pelo então Padre Navarro.
Dom Navarro expressou decepção imediatamente após sua chegada. Tão logo se mudou para a residência episcopal, afirmou ter encontrado a casa “vazia, com uma geladeira velha, uns poucos móveis quebrados” e “apenas” quinhentos cruzeiros nos cofres diocesanos. Começaram a circular rumores na imprensa local de que o novo bispo foi insultado, que Dom Antônio desaparecera com suas riquezas e deixara apenas as paredes descobertas como suas boas-vindas ao seu sucessor. A simples realidade era que o antigo bispo, como sabia qualquer um que já havia passado algum tempo próximo a ele, vivia uma vida de grande simplicidade e genuína pobreza. Nunca houve quaisquer tesouros na mansão episcopal, e os poucos itens que foram removidos, livros, escrivaninha, cama, artefatos religiosos, eram pertences pessoais com valor tanto prático, intelectual ou sentimental. Os rumores continuaram a circular e, finalmente, foram abertamente confirmados pelo novo bispo em uma carta dirigida ao maior jornal do Rio, O Globo. Nela, Dom Navarro vociferava seu ressentimento com o que encontrara em sua nova residência e insinuava uma tentativa deliberada de humilhá-lo em sua chegada por parte de Dom Antônio.
Dom Navarro, desde o início, obviamente, sentiu-se vítima de ataques e humilhações. Dom Antonio de Castro Mayer encontrou o novo bispo e passou sua autoridade fora da Basílica do Santíssimo Salvador, às margens do Paraíba, em Campos. Com os ataques pessoais já dirigidos a ele em público e tendo conhecimento de que a primeira Missa a ser celebrada por Dom Navarro seria [com] o Novus Ordo Missae, o bispo que estava se aposentando preferiu ter uma cerimônia ao ar livre. Dom Navarro se sentiu ofendido e talvez seus comentários públicos sobre a residência episcopal tenham sido uma forma de retaliação por aquilo que viu como uma degradação pública. Um grupo de fiéis da TFP atrapalhou a primeira Missa na Basílica. De modo algum irromperam durante a cerimônia, mas passavam folhetos fora da Basílica, anunciavam sua antipatia pela nova Missa com megafones e tentavam desencorajar as pessoas a adentrar a Basílica para assistir a Missa. Novamente ele deve ter se chateado com tais demonstrações públicas de desobediência direta. Suas palavras não estavam simplesmente sendo ignoradas por muitos dos fiéis, mas, desde o início, desafiadas ao ar livre e com grande alarde. As piores humilhações seguramente ocorreram em suas primeiras viagens pela diocese onde, cidade após cidade, em paróquias ou capelas rurais, os fiéis o recebiam educadamente e o ouviam delicadamente, mas quando ele se preparava para celebrar a nova Missa, saíam em bloco e o deixavam diante de uma igreja praticamente deserta. Segundo a opinião geral, ele ficava furioso.
“Pai, perdoa-lhes!”.
A Versão de Dom Navarro
Por Dom Carlos Alberto Navarro, 10 de julho de 1988
Duas tendências destroem a Igreja, após o Concílio Vaticano II: o “progressismo” e o “conservadorismo”. Quem fez tal afirmação, recentemente, foi o Papa João Paulo II. Tratemos, agora, apenas da segunda corrente.
Dois meses e meio após minha tomada de posse em Campos, e depois de ter visitado todas as paróquias, reuni todos os sacerdotes, e disse aos autodenominados “tradicionalistas”: “Padres, eu acabo de chegar a esta Diocese! Não tive nem tempo de ofender a vocês! Por que é que eu fui tão mal recebido assim, e maltratado, ao percorrer as Matrizes?”.
(E quem não se recorda, aliás, daqueles escândalos que foram manchetes nacionais: pancadaria dentro das igrejas, gritos, faixas, saídas precipitadas, ameaças de morte e de derramamento de sangue, etc… etc…?)
Um desses padres respondeu muito espontaneamente e, talvez, entendendo a injustiça que tinham praticado:
“Não, Senhor Bispo. Aquelas manifestações não foram contra o Sr., enquanto pessoa particular. Qualquer novo bispo que viesse para cá, a fim de fazer cumprir o Concílio Vaticano II, seria recebido dessa maneira!”
E, agora, eu pergunto: Por acaso eles esperavam um bispo que viesse negar, combater e destruir o Concílio, que é um novo pentecostes com que Deus enriqueceu Sua Igreja, no Século XX?
Hoje, sou eu quem se surpreende com a perturbação e o espanto de certas pessoas de nossa comunidade, ao verem até que ponto chegou o orgulho e a desobediência dos “tradicionalistas”. Por acaso – eu me pergunto – não se sobressaltaram, quando, desde a primeira semana, eu, sendo o novo bispo indicado pelo Sucessor de Pedro e pelo Espírito Santo, fui injuriado, afrontado, desprezado, reprovado, condenado, ultrajado, vilipendiado? Quem ficou cego até agora nunca mais vai enxergar!
Basta relembrar a minha tomada de posse, em frente à Catedral! O ato não foi durante a Missa, pois esta era refutada, ao menos, como suspeita de heresia! Mocinhas e senhoras idosas alfinetavam as pessoas do sexo feminino que desejavam entrar no templo, quando eram julgadas como “indecentemente” vestidas. Os padres tradicionalistas teatralizaram uma “Promessa de Obediência”, com genuflexões e beijos no anel do novo bispo, mas, jamais obedeceram ao pastor, em nada.
E, agora, continuam os despropósitos. Advertem que não aceitam a punição. (Como se ela dependesse da aceitação ou não deles!) Propalam que a excomunhão é inválida (Eles têm mais poder que o Papa!); que é falsa a argumentação da Igreja (Só eles têm a verdade.) Comparam o Santo Padre a Nero e a Pilatos. (Sem comentário!). Asseveram que Dom Léfèbvre negou a autoridade do Papa, “mas não tinha a finalidade de negar” (Entenda-se!); procuram alguém que possa lançar a pena de excomunhão sobre o Papa (Enlouqueceram?); asseguram que não estão atemorizados e que nada se alterou no campo deles (É pena, pois, assim, estão longe da conversão!); João Paulo II é acusado de ser escandaloso, de passear pelo mundo e participar de ritos satânicos (Jesus também foi chamado de beberrão e de satanás por Seus inimigos). Paremos por aqui…
O Documento da Santa Sé, do qual constam as excomunhões, previne: aqueles que continuarem seguindo o bispo rebelde correm o risco de ser excomungados.
Realmente, não há nada a festejar, com alegria, numa morte, numa separação ou divórcio! Nem também, nunca, na Igreja, alguém celebrou uma excomunhão.
Só Jesus, na Cruz, entendeu perfeitamente o mistério do pecado, por isso, cheio de misericórdia, exclamou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!” (Lc. 23,34). Como Maria, seja esta também nossa oração!
O choro amargo de Dom Antônio pelo seminário.
om Navarro começou sua atividade pastoral demitindo o chanceler da diocese e vigário da catedral do Santíssimo Salvador de Campos, Monsenhor Henrique Conrado Fischer, um amigo de Dom Antonio que por anos fora encarregado da supervisão dos assuntos diocesanos. Pouco depois, começou a acusar os padres da diocese de irregularidades econômicas. Ele sugeriu abertamente que muitos deles desviaram fundos para uso pessoal, venderam terras que não lhes pertenciam, auferiram ganhos pessoais com as vendas e encorajavam um boicote econômico ao novo bispo e à diocese. Essas acusações começaram a aparecer em revistas nacionais e circularam por todo o Brasil. Elas pararam abruptamente quando os padres da diocese deram a conhecer em uma “notinha” pública que, se o novo bispo continuasse a fazer tais acusações, poderia esperar ser desafiado a prová-las em juízo. Nada mais foi dito publicamente sobre esses assuntos, mas, é claro, os rumores continuaram a circular.
[...]
Uma forma de descontinuar a Missa Tridentina desde a fonte se tornou óbvia – parar de formar padres que celebram a Missa. Em uma visita ao seminário menor em Varre-Sai, em um período de férias, enquanto ninguém estava no seminário há várias semanas, Dom Navarro se declarou chocado com o estado do velho prédio. Por muitos anos, aquele fora o seminário maior da diocese, antes de se tornar o seminário menor, quando Dom Antonio, em uma medida de precaução por ocasião de uma tentativa de dividir a diocese e tomar controle do seminário, transferiu o seminário maior para a cidade de Campos. Dom Navarro agora declarava que o velho prédio era “pior que Auschwitz”. Ele o fechou sumariamente. Os jovens seminaristas que esperavam retornar ao curso para continuar seus estudos em preparação ao sacerdócio – português, francês, latim, grego, história geral, história eclesiástica, matemática, geografia, religião, canto gregoriano e filosofia – descobriram, de repente, que estudavam em um dilapidado, velho prédio que era “pior que Auschwitz”. Absolutamente, eles se viram, de fato, tendo de estudar para o sacerdócio.
O passo seguinte veio sem surpresas. O novo bispo anunciou sua intenção de fechar o seminário maior em Campos. Quando Dom Antonio entregou seu molho de chaves do seminário a um representante do novo bispo, chorou abertamente, talvez a primeira vez que chorava em público desde a carta chegada de Roma anunciando a instituição do novus ordo missae.
O júbilo cheio de rancor de Dom Navarro. “Excomungados!”.
Deus manifestou o poder de Seu braço!
Por Dom Carlos Alberto Navarro, 17 de julho de 1988.
“Depois que o Sr. tomou posse, e diante da grande confusão que os tradicionalistas criaram, eu concluí, com toda a segurança: Dom Carlos não vai agüentar nem conseguir enfrentar esta situação!”
Alguém me disse a frase acima, pouco depois de eu ter chegado a Campos… E, graças a Deus, já se passaram quase sete anos!…
Após o primeiro impacto da excomunhão e do cisma de Ecône, tenho procurado refletir mais profundamente sobre a ação de Deus, em nossos dias.
A excomunhão de Dom Léfèbvre veio restabelecer a “verdade” e a “justiça” na questão “tradicionalista”, em Campos e em todo o mundo.
Apesar de eu não guardar rancor, devo reconhecer que o desrespeito com que fui tratado (por padres, falsas religiosas e leigos tradicionalistas) foi muito grande. Passeatas, procissões, artigos injuriosos, trotes, tentativas de apropriação indébita de bens eclesiásticos, inúmeros processos jurídicos, freqüentes comparecimentos do bispo à justiça civil.
Mentiras deslavadas: “O Papa está conosco!” “O Papa nos apóia!” “Estamos com o Papa!” “Dom Navarro é que é o lobo!” (Hoje nós podemos ver como é que o Papa está com eles, e eles com o Papa! E quem são os lobos que matam as ovelhas incautas!)
Talvez, mais tarde, seja o caso de outras pessoas não tradicionalistas pensarem um pouco se também não foram culpadas pela situação a que se chegou.
No momento, olhando para trás, desde 1981, e sendo surpreendido pela excomunhão, lembrei-me do cântico de Maria: o “Magnificat”. Eu também agradeço a Deus por ter usado de misericórdia para comigo e por poder ver, sem nenhuma sombra de dúvida, que “Deus manifestou o poder de seu braço” (Lc. 1,51).
Com efeito, em toda esta questão de mentiras, ofensas e desobediências, aqui em Campos e no mundo, Deus desconcertou os corações dos soberbos, derrubou os poderosos e exaltou os pequeninos.
Excomungados! Conheceram, agora? Agora se sabe que quem poluía a água pura da corrente era o lobo e não a ovelha. E nem adiantou ao lobo se vestir com pele de ovelha. Ele, afinal, foi descoberto e ataca diretamente Roma.
Gostam eles de ser chamados de “santos” e “sábios”. Não são nem uma coisa, nem outra. Desobedientes, isto sim, e orgulhosos, a ponto de quererem enfrentar o Papa, Supremo Chefe da Igreja, Aquele que está no lugar de Jesus, Vigário de Cristo.
Há coisas que só saberemos na vida eterna. Deus, porém, em Sua bondade, quis mostrar antecipadamente de que lado estava a verdade; com quem estava Sua bênção e com quem não. Deus estendeu a mão lá do céu e nos salvou.
Perdôo aos que me ofenderam. Oro a Deus por eles. Aos excomungados e aos que, indo por péssimo caminho, os seguem junto com esta correção, convido a voltarem, enquanto é tempo para a Casa do Pai.
The Mouth of the Lion: Bishop Antonio de Castro Mayer and the last Catholic Diocese. Dr. David Allen White, Angelus Press, 1993 – pág. 121-123 | Tradução: Fratres in Unum.com
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